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03/08/2020 09h00
Covid aumenta pressão nos Correios, que tem greve e privatização no radar

Com 100 mil funcionários, déficit de R$ 2,4 bilhões e a missão de entregar a maior parte das correspondências do país, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) viu-se em uma situação delicada durante a pandemia do novo coronavírus. Os pedidos de entrega dispararam, mas o volume de carteiros afastados devido ao risco de contágio à covid-19 também foi grande. Por isso, as queixas sobre o atraso de entregas tornaram-se comuns, e os carteiros, agora, ameaçam entrar em greve.

A empresa detém o monopólio do setor postal e também responde pela maior parte da entrega de encomendas do país — serviço que se tornou ainda mais necessário nesse momento de isolamento social, em que o comércio migrou para as plataformas digitais. A ela responde por 60% das entregas do e-commerce, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm). E é fundamental, sobretudo, para os microempreendedores, que nem sempre conseguem fazer negócio com as transportadoras privadas que atendem aos grandes players do comércio eletrônico. Por isso, registrou uma alta de 25% das encomendas durante a pandemia de covid-19.

O desempenho dos Correios, contudo, não tem sido condizente com o aumento de demanda. No site Reclame Aqui, as queixas contra a empresa subiram mais de 130% na pandemia. Foram 1.394 reclamações em março; 2.023 em abril; 4.665 em maio e 8.486 em junho. Por isso, a empresa ocupa o segundo lugar do ranking de piores do site, atrás apenas da Caixa Econômica Federal, e tem uma nota de apenas 2,01 entre os consumidores, que, em 67,5% das vezes, dizem que, se pudessem, não voltariam a fazer negócio com os Correios. A situação é semelhante no portal consumidor.gov.br. Foram mais de mil queixas só entre maio e junho, o que rendeu aos Correios um índice de 1,7% de satisfação. A maior parte das reclamações é sobre atraso na entrega. “A atuação dos Correios na pandemia foi lamentável. O prazo de entrega aumentou, em alguns casos para até quatro semanas. E, durante a pandemia, as pessoas não podiam esperar tanto para receber suas compras”, reclama o presidente da Abcomm, Maurício Salvador.

As queixas aumentaram também nos Procons. Em São Paulo, por exemplo, reclamações cresceram 400%, passando da marca dos 1,5 mil. No Rio de Janeiro, foram quase 800 reclamações sobre produtos não entregues, extraviados ou avariados e também sobre cobranças indevidas. O Procon-RJ instaurou um ato de investigação preliminar para apurar o número de reclamações. Titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Luciano Timm reconhece que “houve um volume importante de reclamações” e que, por isso, “os Correios estão entre as empresas mais demandadas do país nos Procons”. Mas diz que a Senacon ainda não decidiu se vai abrir um procedimento em relação à atuação da estatal na pandemia. “Pelo número de reclamações, até poderia abrir um processo administrativo sancionador por violação das regras do Código de Defesa do Consumidor que se aplicam aos Correios. Não está excluída essa possibilidade. Mas precisamos ser justos. O comércio quase todo migrou para o on-line, elevando o número de entregas. Então, ainda não dá para dizer se o serviço piorou, porque sempre houve reclamações. E esta é uma empresa pública. Se houver um processo, quem vai pagar a conta é o consumidor”, alega o secretário.

Os Correios também fazem ponderações. “O aumento verificado no segmento de encomendas durante a pandemia provocou uma sobrecarga nas operações, pois a empresa, em razão das medidas de segurança e saúde adotadas contra a covid-19, tem operado com efetivo reduzido”, explica a empresa, que liberou os funcionários que são ou moram com pessoas do grupo de risco ao coronavírus para o trabalho remoto.

A estatal também fechou 174 dos seus centros operacionais em algum momento da pandemia devido às medidas de isolamento social. A empresa contratou quase dois mil empregados terceirizados e liberou a realização de mais de sete mil horas extras pelos concursados, além de mutirões nos fins de semana.

Greve de carteiros
Apesar do aumento de 25% das encomendas, os Correios calculam queda de receita de R$ 820 milhões no primeiro semestre deste ano. A empresa explica que registrou diminuição na postagem de cartas e malotes; perdeu receita com o fechamento de agências; e ampliou os gastos com a contratação de terceirizados e a compra de equipamentos de proteção individual. Por isso, deu início a uma negociação salarial em meio à pandemia do novo coronavírus. E propôs o fim ou a redução de uma série de benefícios, o que incomodou os funcionários da estatal, que agora ameaçam entrar em greve.

Secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos (Fentect), José Rivaldo da Silva conta que os carteiros foram surpreendidos com a convocação desse Acordo Coletivo de Trabalho (ACT). “Não era para ter negociação salarial neste ano, porque, no ano passado, fizemos um dissídio que valeria por dois anos e, portanto, só venceria em 2021”, detalha.

Os Correios, contudo, não flexibilizaram a proposta e disseram aos funcionários que vão aplicá-la já a partir desta semana. “O que está em jogo são os empregos dos quase 100 mil funcionários dos Correios, que dependem do bom funcionamento da empresa para garantir o seu sustento futuro. Em um contexto de crise como o que atravessamos, é preciso haver concessões de ambas partes: é preferível deixar de contar com alguns benefícios hoje em prol da sustentabilidade da empresa a longo prazo do que insistir em mantê-los, a despeito das graves consequências”, afirma a ECT, em informe enviado aos funcionários.

Os ecetistas, contudo, não aceitaram os argumentos e prometem entrar em greve a partir de quarta-feira. “Vamos fazer uma assembleia no dia 4 e, a partir do dia 5, não tem mais entrega de encomendas”, avisa o presidente da Fentect. Ele compreende que a paralisação vai agravar o problema das entregas, mas pede compreensão da população. “Não estamos pedindo aumento. Só queremos manter o que recebemos hoje”, reclama.

Privatização
Enquanto tenta sanar essa crise, o governo federal avança com o plano de privatização dos Correios. O entendimento é de que a pandemia deixou claras as dificuldades financeiras e operacionais da empresa e, por isso, pode criar o ambiente adequado para esse debate. Afinal, a desestatização dos Correios está no plano do governo há tempos.

A secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do Ministério da Economia, Martha Seillier, também acredita que a pandemia evidenciou “a importância do setor postal, abrindo uma janela de conscientização que será essencial quando do debate no Congresso Nacional sobre a importância de se intensificar os investimentos no setor”.

Privatizar os Correios não é uma missão fácil. Além de superar a resistência, o governo precisa tratar de questões constitucionais e financeiras para isso. Hoje, os Correios têm o monopólio do setor postal. Por isso, será preciso mudar a Constituição para permitir a entrada da iniciativa privada nesse mercado. Além disso, é preciso encontrar uma forma de tornar a empresa atrativa, mesmo com seu déficit de R$ 2,4 bilhões e os seus quase 100 mil funcionários.

Martha Seillier reconhece que “a desestatização dos Correios tem um nível alto de complexidade em razão da dimensão, quantidade de empregados e o papel da política pública prestada”. Mas adianta ao Correio que algumas empresas privadas, de logística, e-commerce e transporte se mostraram interessadas no negócio. Por isso, contou que o governo está trabalhando para concluir ainda neste ano “os estudos de alternativas para a companhia e a tramitação do projeto de marco regulatório ao Congresso Nacional”. Paralelamente, o governo está elaborando uma proposta de marco legal para o setor postal, que acabe com o monopólio dos Correios e permita a entrada da iniciativa privada nesse mercado.

(Correio Braziliense)