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07/09/2019 16h00
Advogados alertam para 'decisões distorcidas' em ações por acidente de trabalho

O Supremo decidiu que empresas têm a obrigação de indenizar funcionários por danos decorrentes de acidente de trabalho, no caso de a atividade desenvolvida oferecer riscos.

Os ministros analisaram o Recurso Extraordinário 828040 em que se discute se é constitucional a imputação de responsabilidade civil objetiva do empregador por dano decorrente de acidente de trabalho.

Para o ministro relator, Alexandre de Moraes, há compatibilidade entre o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil e o artigo 7.º, inciso XXVIII, da Constituição, aplicando-se a responsabilidade objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo empregador ‘implicar risco à integridade de outrem’.

A votação ficou em 7 a 2, mas depois desse resultado abriu-se uma polêmica sobre a extensão da tese que seria fixada para o caso.

Ultrapassada a questão de mérito de que o artigo 7.º, inciso XXVIII da Constituição, é compatível com o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil e que, portanto, poderia ser aplicada a responsabilidade civil objetiva do empregador por acidente do trabalho, iniciou-se a discussão para decidir se na tese de julgamento deveriam ser fixados os parâmetros para aquilo que deve ser entendido por atividade naturalmente de risco ou não.

Além dos ministros Luiz Fux e Marco Aurélio que foram divergentes e que defendem essa tese, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes encamparam essa discussão.

Cármen Lúcia então sugeriu o sobrestamento do julgamento para discussão específica do teor da tese a ser fixada. Será necessário aguardar a próxima sessão e a proclamação oficial do resultado do julgamento em seu inteiro teor.

Para a advogada Paula Santone, o entendimento do relator — ‘sem ao menos constar a ressalva quanto ao conceito do que deve ser entendido como atividade de risco —, a controvérsia e insegurança jurídica sobre o tema não serão estancadas e ainda haverá margem para abusos e decisões distorcidas, ilegais e injustas’.

“Caberá à parte prejudicada tentar levar o caso ao julgamento das instâncias superiores para corrigir essas distorções, perpetuando-se a litigiosidade social. As condenações costumam ser muito elevadas, principalmente a depender da idade do trabalhador e da sequela e incapacidade para o trabalhador que gerou o acidente, pois são arbitrados danos morais e danos materiais consistentes em pensão mensal vitalícia (percentual incidente sobre o salário do trabalhador) – como regra até os 75 anos”, avalia Paula Santone.

Ela disse que, em um caso em que atua, o funcionário usava o carro para trabalhar e sofreu um acidente. Ele derrapou na estrada. “Ou seja, não houve culpa ou dolo da empresa. E a condenação já está em milhões de reais”, afirma.

A advogada diz que a Justiça do Trabalho tem alargado o conceito de atividade, em sua natureza, de risco, ampliando o alcance da norma que teria que ter sua aplicação em caráter excepcional.

“Há decisões, por exemplo, aplicando a responsabilidade objetiva para trabalhador doméstico que foi mordido por um cão ou trabalhador rural que foi picado por uma aranha ou jóquei que caiu do cavalo”, critica.

Ela é taxativa. “Enfim, considero que apesar do resultado concluindo pela constitucionalidade da imputação da responsabilidade civil objetiva do empregador por dano decorrente de acidente de trabalho, caso seja fixada tese delimitando as atividades que devem ser consideradas de risco por sua natureza, talvez haverá argumentos para dar continuidade à discussão, caso a caso, nos processos que estão sobrestados no Judiciário aguardando o final do julgamento deste ‘leading case’.”

Segundo o advogado trabalhista Gustavo Silva de Aquino, ‘a decisão do Plenário do STF produzirá um reflexo direto na atividade empresária, posto que o empregador assumirá o total risco sem necessidade de comprovação de culpa pelo colaborador’.

Aquino prevê que ‘isso irá ocorrer porque o empregador assume os riscos da atividade econômica, visto que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços, sendo ainda dele o dever de proteção daquele hipossuficiente na relação jurídica’.

“Para os trabalhadores haverá uma flexibilização quanto à reparação por danos sofridos quando da execução de suas funções, posto que não haverá necessidade, naquelas atividades reconhecidamente de risco, da comprovação de dolo ou culpa empresária”, diz o advogado.

Para o advogado Fernando Brandariz, embora a decisão tenha de ser seguida por todas as instâncias do Judiciário, ela não dever ser usada como fundamento para todas as decisões futuras.

“É razoável que cada caso seja analisado de forma individual, pois, eventualmente, pode ter acidentes causados propositalmente pelo funcionário. Num cenário como este, o risco do empresário passa a ser incalculável sob pena do negócio tornar-se inviável financeiramente”, pondera Brandariz.

De acordo com Marynelle Leite, advogada da área trabalhista,‘é temerário definir a responsabilização objetiva da empresa, mesmo nos casos em que o acidente ocorre em decorrência da sua atividade econômica, sobretudo em que pese a clareza do artigo 7º, da Constituição Federal, ao definir que a responsabilidade do empregador depende de dolo ou culpa’.

Na prática, diz Marynelle Leite, ‘o que vemos nos Tribunais é uma ampliação injustificada do conceito de atividade de risco’. “A justificativa é a de que o risco da atividade decorre de seu mero exercício, fato que vem gerando indenizações de importes vultosos.”

Segundo Josiane Leonel Mariano, também advogada da área trabalhista, a Justiça do Trabalho, em geral, tem entendido pela aplicação da responsabilidade objetiva indistintamente, ou seja, sem fazer distinção se o acidente está ou não relacionado com o risco da atividade empresarial.

“O Supremo, ao confirmar a responsabilidade objetiva do empregador em todo e qualquer acidente de trabalho, lamentavelmente fará com que as empresas continuem sendo responsabilizadas por situações que não podem prevenir ou evitar, inclusive arcando com indenizações e pensões vitalícias. As situações devem ser analisadas caso a caso, apurando-se o conjunto fático, risco do negócio, condições do acidente, dolo ou culpa exclusiva do empregado e empregador e a extensão do dano”, argumenta Josiane.

(As informações são do site da revista PEGN)