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23/05/2019 21h30
“Se você cair e se machucar, você está sozinho”, fala de entregador por aplicativo para a BBC

A BBC Brasil publicou nesta quarta-feira (22) matéria sobre as condições que vivem entregadores ciclistas e motociclistas por aplicativo na cidade de São Paulo. A reportagem apontou algumas dificuldades de quem se submete a esse tipo de prestação de serviço sem as garantias legais que receberia, caso trabalhasse em uma empresa formal de entregas rápidas.

A equipe da BBC Brasil conversou durante uma semana com dezenas de entregadores em três pontos da cidade: avenida Paulista e os bairros de Pinheiros e Higienópolis - locais com grande oferta de comércio e apontou grande movimentação nas entregas no início da noite, horário em que as pessoas chegam em casa e ligam para um serviço delivery.

De acordo com a reportagem, os entregadores aguardam seus chamados em calçadas, em pontos estratégicos. O texto também destacou outra questão: a distância entre esses locais de trabalho e as residências dos entregadores. Segundo a matéria, alguns ciclistas chegam a pedalar até 30 km de casa para as regiões centrais da cidade.

A BBC destacou também o aumento do número de ciclistas e motociclistas por aplicativos e ressaltou que esse crescimento do negócio vem acompanhado de críticas. “Especialistas afirmam que as empresas ajudam a precarizar o trabalho, pois elas não costumam seguir as leis trabalhistas. Seus colaboradores fazem jornadas de trabalho muito mais longas que as oito horas previstas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por exemplo”.

A matéria mostra, inclusive, o caso de um motoboy que acredita ganhar mais hoje como entregador por aplicativo mas que, para isso, precisou abrir mão dos direitos trabalhistas da CLT, como seguro-desemprego, fundo de garantia e férias remuneradas.

Outro trecho da reportagem mostra o despreparo de alguns entregadores que resolveram virar motoboy como alternativa para ganhar uma renda na falta de serviços regulares em suas antigas profissões. "Parado eu não iria ficar. Eu tinha uma moto, mas nunca tinha trabalhado com ela", disse um dos entregadores, que antes trabalhava como pintor de parede - a reportagem não informou se esse e os demais motoboys entrevistados fizeram os cursos necessários para atuar nessa atividade, dentre outras exigências e regras estabelecidas para essa finalidade. Esse mesmo motoboy contou à reportagem que trabalha das 11h às 23h alegando que a empresa de aplicativo a qual presta serviço “incentiva a permanência dos entregadores no local por meio de bônus financeiros” para ficar 12 horas à disposição.

“Pode parecer vantajoso, a princípio, mas não há garantias de que o esquema vá continuar por muito tempo. Aplicativos de serviços costumam dar prêmios para aumentar o número de colaboradores ou para suprir a demanda de uma área com pouca cobertura. Depois, aos poucos, as bonificações diminuem ou até desaparecem.
Nesse caso, o entregador pode perder o bônus diário caso fique offline, recuse alguma corrida ou se distancie do ponto sem nenhum pedido nas mãos - ou seja, ele precisa ficar imóvel e aceitar todas as corridas, independentemente de horário ou distância”, destaca o jornal.

Sobre o ciclista, a situação ainda é mais difícil, dado o esforço físico para a realização do serviço. “Por mais que a tecnologia faça a roda do delivery girar, o trabalho dele depende essencialmente da força física. Quanto mais ele pedalar, quanto mais quilômetros percorrer pela cidade, maior será sua remuneração. Por isso, os ciclistas ouvidos pela reportagem relataram fazer jornadas de mais de 12 horas diárias, trabalhar muitas vezes sem folgas e até dormir na rua para emendar um horário de pico no outro, sem voltar para casa”, cita a matéria.

A BBC também citou pesquisa sobre a “uberização” no setor:

Pesquisa realizada pela Fundação Instituto Administração (FIA) e divulgada pela Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O) aponta que a idade média do entregador é de 29 anos - os números contemplam motoboys e ciclistas. A maioria (97,4%) é homem; 73% têm apenas o ensino médio completo, e 11,7% já concluíram ensino superior ou pós-graduação.

Para a pós-doutoranda Ludmila Costhek Abilio, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, a chamada "uberização" é uma tendência no mercado de trabalho. "Esse processo é de informalização, que vem tirando as garantias e proteções. Agora, é o trabalhador quem entra com os meios de produção, além de arcar com os custos e com os riscos da atividade", explica.

"Supostamente, a pessoa trabalha onde e quando quer, mas a verdade é que ela está trabalhando cada vez mais. O que estamos estudando é como esses trabalhadores estão subordinados aos algoritimos, às regras de cobrança, às comissões e às metas de produtividade. Não me parece que as escolhas sejam tão amplas assim", diz Costhek Abilio.

Um dos motoboys entrevistados concordou com essa visão: "Quem tem disposição realmente consegue ganhar dinheiro. Mas tudo o que acontece depende de você: se cair e se machucar, você está sozinho; se chover e não trabalhar, não ganha nada. Se morrer, ninguém vai pagar o seguro para sua família, ninguém vai ligar para sua mulher".


(Com informações da BBC Brasil)